Fonte: Revista Época
14/08/2009 - 19:59 - Atualizado em 14/08/2009 - 22:20
O avanço da pandemia pressiona hospitais e o sistema de saúde
Enquanto a vacina de gripe suína não chega, o número de doentes aumenta e ameaça ultrapassar a capacidade do sistema de saúde brasileiro. O que fazer?
Peter Moon e Rodrigo Turrer
"Nas últimas semanas, comecei a ver no hospital uns casos muitos esquisitos, casos estranhos como nunca vi na vida", diz o infectologista Paulo Olzon, de 62 anos. A observação não é corriqueira. Olzon é professor da Escola Paulista de Medicina e infectologista desde 1971. Ele teve a oportunidade de cuidar de doentes com praticamente todos os sintomas que as doenças infecciosas podem manifestar – ou quase todos. Em quatro décadas de profissão, Olzon nunca tinha visto casos de pneumonia com evolução tão rápida e severa como naqueles quatro pacientes, três homens e uma mulher com idades entre 25 e 45 anos, internados na segunda semana de agosto na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Paulo, em São Paulo. Os quatro corriam risco de vida. Só sobreviveram graças ao fato de terem sido internados em tempo hábil em uma UTI com os melhores recursos da medicina. "Um dos pacientes tinha voltado à noite do trabalho para a casa se queixando de dores no corpo e foi dormir", diz Olzon. "Às duas da manhã, ele não parava de tossir nem conseguia mais ficar em pé. Sua família teve que carregá-lo de madrugada para o hospital, onde foi internado. Às duas da tarde, o funcionamento dos pulmões ficou comprometido. Tivemos que entubá-lo, para usar o respirador mecânico. Ao mesmo tempo, tivemos que drenar 800 mililitros de líquido só do pulmão esquerdo."
Aquele doente tinha pneumonia viral, bem mais perigosa que a pneumonia bacteriana. A pneumonia bacteriana é a forma mais comum de pneumonia, sendo responsável pela imensa maioria dos casos (o que inclui os outros três doentes tratados por Olzon). A pneumonia bacteriana, como seu nome indica, é causada por diversos tipos de bactérias que atacam os brônquios e os pulmões. Ela é a responsável pela maioria dos casos graves de gripe suína, quando o vírus A(H1N1) invade o sistema respiratório e começa a se reproduzir nas células do pulmão, matando-as. As células mortas formam um caldo de cultura para as bactérias causadoras da pneumonia bacteriana. Muitos pacientes desenvolvem formas brandas de pneumonia bacteriana, que exigem internamento hospitalar em leitos comuns para tratamento com antibióticos, repouso e observação. Uma minoria dos doentes pode desenvolver formas mais severas que exigem internação em UTI, onde permanecem por vários dias ou semanas. Nem sempre todos se salvam.
Com a pneumonia viral é diferente. O estrago causado pelo vírus A(H1N1) é fulminante e devastador. Não sobra tempo para as bactérias oportunistas tomarem o seu lugar. Sem a possibilidade de internação imediata em UTI, a pneumonia viral é mortal em 100% dos casos. Foi assim na Gripe Espanhola de 1918. É assim ainda hoje, 91 anos depois. Mas a internação em tempo hábil em uma UTI de pacientes com pneumonia viral não fornece de forma alguma um passaporte para a sobrevivência. Segundo o historiador americano John Barry, autor de A Grande Gripe – A história da pandemia mais mortal da história (The Great Influenza, 2004), o melhor arsenal médico do início do século XXI só consegue salvar 6 em cada 10 doentes. Aquele paciente com pneumonia viral tratado por Paulo Olzon teve sorte de conseguir um leito de UTI.
O mês de julho chegou ao fim com um saldo de 85 mortos pela gripe suína desde o surgimento dos primeiros casos, em maio. Bastaram duas semanas de agosto para o total de mortos quadruplicar. Na sexta-feira (14), o balanço das secretarias estaduais da Saúde indicava 339 mortes, o que colocou o Brasil no segundo lugar em número de vítimas, à frente do México (163) e da Argentina (337) e atrás dos Estados Unidos (477). O aumento no número de mortes não significa que o vírus A(H1N1) da gripe suína está se tornando mais perigoso, apenas que ele é muito contagioso e está se espalhando rapidamente pelo país. Assim, mesmo com uma letalidade muito baixa, o vírus afeta centenas de milhares de brasileiros. Em sua imensa maioria, elas não desenvolvem sintomas ou têm sintomas de uma gripe comum. Uma minoria pode desenvolver complicações (como pneumonias não-graves) e necessitar de internação hospitalar. A menor parte dos casos pode evoluir para pneumonias graves, que acabam na UTI. "Por causa da pandemia de gripe, os leitos hospitalares estão sob enorme pressão. O maior problema é na UTI", diz Juvêncio Furtado, o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, e infectologista do Hospital Heliópolis, em São Paulo.
Jorge Curi, o presidente da Associação Paulista de Medicina, diz que os grandes hospitais de clínicas do estado de São Paulo, como o Hospital de Clínicas da Unicamp, em Campinas, já estão sendo obrigados a suspender ou adiar as cirurgias eletivas, aquelas que não são de urgência, para liberar leitos comuns aos pacientes de gripe. No Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, a gripe suína foi responsável, em julho, por um aumento de 20% nos atendimentos no pronto-socorro com relação ao mesmo mês de 2008. "O aumento anual médio nos atendimentos hospitalares é de 5%. Um aumento de 20% de um ano para o outro é um percentual enorme, compatível com uma pandemia", diz Luis Fernando Aranha, o superintendente do Einstein.
As estatísticas mais recentes apontam para o Paraná como o estados brasileiro onde o total de doentes cresce mais rápido. O número de internações causadas pela gripe suína no estado triplicou em 10 dias. Passou de 255 internações até o dia 1º de agosto, para 1.007 no dia 12, diz o secretário estadual da Saúde, Gilberto Martin. A utilização dos leitos de UTI dobrou de 84 para 169. Apesar de o Paraná possuir 24 mil leitos comuns e 1.364 leitos de UTI, o aumento de ocupação provocado pela gripe suína obrigou o sistema de saúde a suspender todas as cirurgias eletivas, não-emergenciais. “Este salto é preocupante, mas não é alarmante,” diz Martin. “Se a curva ascendente continuar será preciso reavaliar nossos procedimentos pra não haver sobrecarga no sistema de saúde.”
A situação na cidade de São Paulo não é muito diferente. “O último fim de semana foi uma loucura, mas o nível de atendimentos nesta semana diminuiu de 250 para 180 por dia”, diz David Uip, diretor do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo. Uip diz que, com o fim do inverno e a elevação das temperaturas, a gripe suína não vai desaparecer, mas o número de casos deve estabilizar. “A pandemia tanto pode aumentar quanto pode diminuir”, diz Uip. “Mas sabemos que com o calor o número de internações vai ficar estabilizado dentro da capacidade de atendimento”.
Alguns administradores hospitalares estão se preparando para outro cenário. Cerca de 80 pacientes com gripe suína passaram pelos leitos do Hospital Santa Catarina, em São Paulo. No momento, há 27 pacientes internados, em um total de 320 leitos. “Os casos de gripe suína correspondem a 10% da ocupação”, diz Luciano Patah, o diretor técnico do Santa Catarina. Patah diz que a pandemia ainda não atingiu o seu pico na cidade de São Paulo. Ele afirma que o pico deve ocorrer nos próximos 15 dias, quando a volta às aulas poderá fazer o número de pacientes com gripe dobrar. “Estamos nos preparando para reservar até 20% dos leitos para os casos de gripe. Acredito que a utilização irá se manter no patamar de 20% até o final do semestre letivo, em dezembro. Com o início das férias de verão, a demanda deve cair.”
Se realmente o total de doentes dobrar nas próximas semanas, como diz Patah, muitos hospitais, especialmente os da rede pública, terão que ganhar agilidade e criar soluções para criar leitos e absorver os novos pacientes, independente da gravidade. Um exemplo é Osasco, na Grande São Paulo. Seu sistema de saúde está operando no limite na capacidade de atendimento. Segundo Gelso Aparecido de Lima, o secretário municipal da Saúde, Osasco tem 188 leitos comuns e 12 leitos de UTI, dos quais 9 estão ocupados. “O número de internações aumentou em quase 15% com relação a 2008. É demais para nossa rede,” diz Lima. “Se a demanda continuar aumentando, vamos atingir o limiar de nossa capacidade, e passaremos a ter superlotação.”
Esse é o grande temor dos especialistas. O que fazer se os números da pandemia não estabilizarem e continuarem aumentando? Esta hipótese não pode ser descartada, dada a imprevisibilidade do vírus influenza. A capacidade potencial do vírus A(H1N1) infectar milhões de pessoas é o pior pesadelo dos epidemiologistas, e a razão para a corrida internacional liderada pela Organização Mundial de Saúde para desenvolver uma vacina. A vacina é a única proteção contra a pandemia. Mas ela só deve começar a estar disponível no fim de novembro, e assim mesmo em quantidades limitadas. Onde colocar os doentes graves se, até lá, todos os leitos de UTI estiverem ocupados?
“Este é o cenário para o qual aparentemente nós estamos caminhando”, diz Juvêncio Furtado. “Eu duvido que a epidemia acabe daqui 15 ou 20 dias. O vírus vai continuar circulando. Daqui um mês, o sistema de saúde pode estar sobrecarregado”. Diante dessa possibilidade, Furtado está criando no Hospital Heliópolis uma nova unidade de terapia intensiva para pacientes com dificuldades respiratórias. “Também montamos um plantão de infectologistas que funcionam 24 horas por dia só para atender casos de gripe, numa ala especial, separada do restante dos atendimentos”.
Mesmo que a iniciativa do Heliópolis seja replicada em toda a rede de saúde do país, ainda assim, dependendo do comportamento do vírus A(H1N1), a ampliação da rede talvez não seja suficiente para atender a demanda. “No Brasil, o sistema de saúde trabalha muito no limite da sua capacidade,” afirma Jorge Curi, da Associação Paulista de Medicina. Na eventualidade de o total de doentes superar a oferta de leitos comuns e, principalmente, de UTI, os médicos podem chegar ao ponto de serem obrigados a escolher quem tratar. “É um drama que eu não desejo para ninguém. Mas nós já estamos tendo que escolher”, afirma Curi. “Nós, médicos, infelizmente estamos sujeitos a situações e escolhas como esta.”
sábado, 15 de agosto de 2009
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
A NOVA GRIPE EXIGE NOVAS AÇÕES
A EVOLUÇÃO DA NOVA GRIPE
Fonte: O Estado de Sâo Paulo
31-7-2009
David Uip
Os vírus influenza pandêmicos já causaram muitas mortes em humanos. No século 20 as ações de três tipos de vírus influenza culminaram em pandemias: 1918, vírus H1N1; 1957, vírus H2N2; e 1968, vírus H3N2. Os dados de mortalidade, incluindo os vírus influenza A e B, calculados segundo diversos métodos, não rigorosamente comparáveis, apontaram os seguintes números de mortes por 100 mil habitantes, respectivamente: 598, 40,6 e 16,9. O atual gira em torno de 0,012.
Este novo vírus está associado à quarta geração descendente do vírus de 1918. A complexa história evolutiva das características genéticas demonstra uma miscigenação do vírus influenza humano, aviário e suíno adaptado a uma possível resposta selecionada imune herdada em determinadas populações. Esse complexo entre a rápida evolução viral e a dirigida alteração na resposta imune do ser humano tem criado a "era pandêmica" dos últimos 91 anos.
Existem poucas evidências de que esta era estaria no começo ou no fim. Se existem boas notícias a respeito das sucessivas pandemias quanto à diminuição da morbimortalidade, em razão, em parte, dos avanços na medicina e na saúde pública, isso também pode ser reflexo das escolhas da evolução viral, objetivando ótima transmissibilidade com mínima patogenicidade. Um vírus que mata o seu hospedeiro ou o manda para a cama passa a ser menos transmissível.
Em 25 de abril de 2009 foi declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional e desde 11 de junho a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que a pandemia está na fase seis. No momento, mais de 160 países já confirmaram casos, com aproximadamente 800 mortes.
O Brasil, em observação restrita às orientações da OMS, estabeleceu, num primeiro momento e com sucesso, um plano de contenção, com o objetivo claro de diminuir o quanto possível o número de infectados, na expectativa de que o pico da pandemia se desse o mais distante do período de inverno e o mais próximo do uso da vacina, ainda a ser disponibilizada.
A partir da caracterização da transmissão sustentada no Brasil e da determinação da OMS de não mais contabilizar o número de infectados, trocou-se o índice de letalidade (número de mortes pelo total de infectados) pela mortalidade (número de mortes por 100 mil habitantes). Entramos numa outra fase, a de redução de danos, em que se objetiva diminuir o número de complicações e de mortes.
Nas últimas semanas começamos a relatar um número crescente de mortes, o numerador, pois perdemos o denominador, representado por um número muito maior, o de infectados. O fato criou um início de pânico na população e levou à procura, muitas vezes sem motivos clínicos, de hospitais referenciados, públicos e privados. Há que entender o medo do desconhecido. A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde advertem sobre a importância da descentralização e hierarquização do atendimento, pois só a referência e a contrarreferência organizadas garantirão o bom atendimento à população.
Para que o sistema funcione temos de ter uma excelente integração das três esferas de governo - federal, estadual e municipal -, aliado ao envolvimento e à confiança da população. E aí se inicia a ação dos oportunistas de plantão, por meio de questionamentos pouco científicos, sem fundamento teórico-prático, muitas vezes com objetivos escusos e puramente pessoais.
A crítica construtiva ajuda. Apontar erros do sistema, que sabidamente está longe de ser perfeito, é salutar. Que o Sistema Único de Saúde (SUS) necessita de aprimoramentos e de mais recursos ninguém duvida.
Como especialista em doenças infecciosas e parasitárias há mais de 33 anos e diretor de um hospital de referência, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, sou testemunha do esforço ilimitado dos profissionais da área e das autoridades da saúde para fazer o melhor possível.
É suficiente? Por conta do dinamismo que o momento exige, as autoridades sanitárias estaduais e federais estão discutindo propostas, que se referem aos novos polos de dispensação de medicamentos a partir da indicação médica, ao aumento do número de laboratórios públicos e privados credenciados para a realização dos exames específicos e à implantação de equipes multiprofissionais volantes para dar suporte às Unidades Básicas de Saúde, dentre outras.
Algumas decisões são complexas e envolvem riscos. Ao atender todas as receitas médicas mais ou menos pertinentes, impõe-se o risco de aumentar a resistência aos dois únicos medicamentos disponíveis - resistência essa já descrita, em relação a um deles, em pacientes residentes em pelo menos quatro países: Dinamarca, Japão, China e Canadá. Adicionalmente, embora existam dois antivirais em fase de pesquisa, há que destacar uma das últimas publicações do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) de Atlanta (EUA), que fez referência ao aumento de resistência do vírus da influenza sazonal ao oseltamivir em todo o mundo.
Na tentativa de otimizar recursos e dar o cunho assistencial que a situação exige, segundo o próprio CDC, as recomendações para a solicitação do exame para o diagnóstico devem-se restringir às seguintes situações: todos os pacientes internados, adultos e crianças, tidos como comprovados, prováveis ou suspeitos e pacientes considerados de risco aumentado para complicações. A realização do exame também é importante para o monitoramento das alterações genéticas e alteração da resistência do vírus aos antivirais.
Várias vacinas encontram-se em desenvolvimento. Uma delas já está em estudos clínicos na Austrália. Sem dúvida, é a principal expectativa na prevenção dessa nova doença e se encontrará disponível para o próximo inverno no Hemisfério Norte.
Há ainda muito a apreender com essa pandemia e com o vírus. Todos devemos continuar atentos, informados e vigilantes, mas não permitindo que o alarmismo provocado por poucos nos deixe entrar em pânico.
David Uip, médico infectologista, é diretor do hospital estadual
Emílio Ribas, em São Paulo
Comentário de Jaime Leitão : Concordo com David Uip, alarmismo e pânico não resolvem, mas o Sistema Único de Saúde precisa agilizar a sua forma de agir com urgência para que não se protele a distribuição de medicamentos nos casos suspeitos, já com gravidade suficiente para exigir a prescrição de Tamiflu. Não dá para vacilar. Muitas vidas estão em jogo.
Fonte: O Estado de Sâo Paulo
31-7-2009
David Uip
Os vírus influenza pandêmicos já causaram muitas mortes em humanos. No século 20 as ações de três tipos de vírus influenza culminaram em pandemias: 1918, vírus H1N1; 1957, vírus H2N2; e 1968, vírus H3N2. Os dados de mortalidade, incluindo os vírus influenza A e B, calculados segundo diversos métodos, não rigorosamente comparáveis, apontaram os seguintes números de mortes por 100 mil habitantes, respectivamente: 598, 40,6 e 16,9. O atual gira em torno de 0,012.
Este novo vírus está associado à quarta geração descendente do vírus de 1918. A complexa história evolutiva das características genéticas demonstra uma miscigenação do vírus influenza humano, aviário e suíno adaptado a uma possível resposta selecionada imune herdada em determinadas populações. Esse complexo entre a rápida evolução viral e a dirigida alteração na resposta imune do ser humano tem criado a "era pandêmica" dos últimos 91 anos.
Existem poucas evidências de que esta era estaria no começo ou no fim. Se existem boas notícias a respeito das sucessivas pandemias quanto à diminuição da morbimortalidade, em razão, em parte, dos avanços na medicina e na saúde pública, isso também pode ser reflexo das escolhas da evolução viral, objetivando ótima transmissibilidade com mínima patogenicidade. Um vírus que mata o seu hospedeiro ou o manda para a cama passa a ser menos transmissível.
Em 25 de abril de 2009 foi declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional e desde 11 de junho a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que a pandemia está na fase seis. No momento, mais de 160 países já confirmaram casos, com aproximadamente 800 mortes.
O Brasil, em observação restrita às orientações da OMS, estabeleceu, num primeiro momento e com sucesso, um plano de contenção, com o objetivo claro de diminuir o quanto possível o número de infectados, na expectativa de que o pico da pandemia se desse o mais distante do período de inverno e o mais próximo do uso da vacina, ainda a ser disponibilizada.
A partir da caracterização da transmissão sustentada no Brasil e da determinação da OMS de não mais contabilizar o número de infectados, trocou-se o índice de letalidade (número de mortes pelo total de infectados) pela mortalidade (número de mortes por 100 mil habitantes). Entramos numa outra fase, a de redução de danos, em que se objetiva diminuir o número de complicações e de mortes.
Nas últimas semanas começamos a relatar um número crescente de mortes, o numerador, pois perdemos o denominador, representado por um número muito maior, o de infectados. O fato criou um início de pânico na população e levou à procura, muitas vezes sem motivos clínicos, de hospitais referenciados, públicos e privados. Há que entender o medo do desconhecido. A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde advertem sobre a importância da descentralização e hierarquização do atendimento, pois só a referência e a contrarreferência organizadas garantirão o bom atendimento à população.
Para que o sistema funcione temos de ter uma excelente integração das três esferas de governo - federal, estadual e municipal -, aliado ao envolvimento e à confiança da população. E aí se inicia a ação dos oportunistas de plantão, por meio de questionamentos pouco científicos, sem fundamento teórico-prático, muitas vezes com objetivos escusos e puramente pessoais.
A crítica construtiva ajuda. Apontar erros do sistema, que sabidamente está longe de ser perfeito, é salutar. Que o Sistema Único de Saúde (SUS) necessita de aprimoramentos e de mais recursos ninguém duvida.
Como especialista em doenças infecciosas e parasitárias há mais de 33 anos e diretor de um hospital de referência, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, sou testemunha do esforço ilimitado dos profissionais da área e das autoridades da saúde para fazer o melhor possível.
É suficiente? Por conta do dinamismo que o momento exige, as autoridades sanitárias estaduais e federais estão discutindo propostas, que se referem aos novos polos de dispensação de medicamentos a partir da indicação médica, ao aumento do número de laboratórios públicos e privados credenciados para a realização dos exames específicos e à implantação de equipes multiprofissionais volantes para dar suporte às Unidades Básicas de Saúde, dentre outras.
Algumas decisões são complexas e envolvem riscos. Ao atender todas as receitas médicas mais ou menos pertinentes, impõe-se o risco de aumentar a resistência aos dois únicos medicamentos disponíveis - resistência essa já descrita, em relação a um deles, em pacientes residentes em pelo menos quatro países: Dinamarca, Japão, China e Canadá. Adicionalmente, embora existam dois antivirais em fase de pesquisa, há que destacar uma das últimas publicações do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) de Atlanta (EUA), que fez referência ao aumento de resistência do vírus da influenza sazonal ao oseltamivir em todo o mundo.
Na tentativa de otimizar recursos e dar o cunho assistencial que a situação exige, segundo o próprio CDC, as recomendações para a solicitação do exame para o diagnóstico devem-se restringir às seguintes situações: todos os pacientes internados, adultos e crianças, tidos como comprovados, prováveis ou suspeitos e pacientes considerados de risco aumentado para complicações. A realização do exame também é importante para o monitoramento das alterações genéticas e alteração da resistência do vírus aos antivirais.
Várias vacinas encontram-se em desenvolvimento. Uma delas já está em estudos clínicos na Austrália. Sem dúvida, é a principal expectativa na prevenção dessa nova doença e se encontrará disponível para o próximo inverno no Hemisfério Norte.
Há ainda muito a apreender com essa pandemia e com o vírus. Todos devemos continuar atentos, informados e vigilantes, mas não permitindo que o alarmismo provocado por poucos nos deixe entrar em pânico.
David Uip, médico infectologista, é diretor do hospital estadual
Emílio Ribas, em São Paulo
Comentário de Jaime Leitão : Concordo com David Uip, alarmismo e pânico não resolvem, mas o Sistema Único de Saúde precisa agilizar a sua forma de agir com urgência para que não se protele a distribuição de medicamentos nos casos suspeitos, já com gravidade suficiente para exigir a prescrição de Tamiflu. Não dá para vacilar. Muitas vidas estão em jogo.
ORIENTAÇÕES PARA EVITAR O CONTÁGIO
Família brasileira com gripe suína em Londres
Comentário de Jaime Leitão: Paulo Nogueira, correspondente da revista Época em Londres, contraiu a gripe suína juntamente com os seus três filhos, que moram com ele lá. A sorte deles foi o que o sistema de saúde na Inglaterra funciona muito bem e eles conseguiram o Tamiflu sem burocracia, bastando pegar a senha pela Internet. Depois, foram à farmácia mais próxima e retiraram o medicamento sem ter que pagar nada. Aqui no Brasil, estão morrendo pessoas pela demora no diagnóstico. Chegamos a um ponto que uma suspeita já justifica tomar o Tamiflu, sem fazer o exame para comprovar se a pessoa está ou não contaminada. Mas a pergunta é: Onde há Tamiflu disponível?
domingo, 2 de agosto de 2009
UMA CHARGE PARA REFLETIR

Fonte: www.2.bp.blogspot.com
Charge de Ivan Cabral Falta de ar
Comentário de Jaime Leitão: A charge de Ivan Cabral critica a falta de estrutura da Saúde Pública no Brasil. Muitas mortes poderiam sido evitadas se o atendimento dos primeiros casos de gripe suína tivesse sido mais ágil. E a charge, feita há três meses, está mais atual do que nunca. Os hospitais públicos e privados e os postos de saúde precisam receber com urgência do Ministério de Saúde o antiviral Tamiflu para atender os pacientes com sintomas da gripe suína, sem ficar esperando pelo resultado do exame, que poderá demorar até dez dias, tempo demais pela velocidade com que o vírus se instala no organismo.
POSSÍVEIS CAUSAS DA PANDEMIA
“
PERGUNTAS NECESSÁRIAS
JAIME LEITÃO
Nesse momento em que o reinício do ano letivo foi adiado em praticamente todas as escolas estaduais, municipais e particulares do Estado de São Paulo, até o dia 17 de agosto, para evitar um alastramento incontrolável da gripe suína, é hora de levantar algumas questões.
A primeira delas é: -De onde surgiu essa pandemia que tira professores e alunos das salas de aula? Em trinta anos de carreira, nunca vi algo semelhante. Uma resposta surge
no artigo do escritor e jornalista francês Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique. No seu texto publicado no início deste mês, intitulado “ A grande ameaça A – Os culpados pela gripe suína”, ele afirma com todas as letras: “Não se trata de uma maldição do céu nem de um azar ditado pelo destino. A epidemia de gripe A (H1N1) surgida no México tem responsáveis concretos: o primeiro nome próprio é o da empresa norte-americana Smithfiels Foods Inc., a mais importante produtora de carne suína do mundo. Várias investigações apontam para os gigantescos criadouros que essa empresa transnacional possui no pequeno povoado mexicano de La Gloria- cujas condições de higiene e saneamento são espantosas- como a origem do flagelo.”
No seu artigo, há um ponto importante a ser ressaltado. A expansão gigantesca da produção de porcos em condições precárias não seria possível na matriz, já que nos Estados Unidos as leis são muito rígidas. Então, aproveitando-se de leis mais frouxas no México, a empresa se estabeleceu lá e se expandiu de forma assombrosa.
Segundo autoridades de saúde, as condições de higiene precárias, além da grande quantidade de porcos em ambiente mínimo, com pouca ventilação e iluminação permanente, representaram fatores desencadeadores da epidemia. Fora isso,
a utilização de antibióticos, injeções de hormônio e vacinas teriam tornado o vírus ainda mais resistente. Foi verificada pelas autoridades sanitárias a poluição dos rios e do meio ambiente, com destroços de porcos boiando nos seus leitos e outros sinais claros de falta de cuidado com a higiene.
Ainda não há respostas definitivas. Agora, o que se espera das nossas autoridades é que tomem providências para evitar que a gripe se propague e pegue a maior parte da população. E,se isso ocorrer, que as cidades se estruturem rapidamente, em consonância com o governo federal, para medicar os infectados de maneira correta, evitando um número maior de mortes.
Só que é também fundamental mudar urgentemente a forma de criar porcos, frangos e outros animais. As grandes corporações mandam no mundo e a humanidade se torna refém de epidemias que poderiam ser evitadas se cada país tomasse conta de seu território e impedisse que empresas se instalassem lá sem que sejam investigados os impactos ambientais e humanos desses empreendimentos. O lucro para poucos costuma ser nocivo para muitos.
PERGUNTAS NECESSÁRIAS
JAIME LEITÃO
Nesse momento em que o reinício do ano letivo foi adiado em praticamente todas as escolas estaduais, municipais e particulares do Estado de São Paulo, até o dia 17 de agosto, para evitar um alastramento incontrolável da gripe suína, é hora de levantar algumas questões.
A primeira delas é: -De onde surgiu essa pandemia que tira professores e alunos das salas de aula? Em trinta anos de carreira, nunca vi algo semelhante. Uma resposta surge
no artigo do escritor e jornalista francês Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique. No seu texto publicado no início deste mês, intitulado “ A grande ameaça A – Os culpados pela gripe suína”, ele afirma com todas as letras: “Não se trata de uma maldição do céu nem de um azar ditado pelo destino. A epidemia de gripe A (H1N1) surgida no México tem responsáveis concretos: o primeiro nome próprio é o da empresa norte-americana Smithfiels Foods Inc., a mais importante produtora de carne suína do mundo. Várias investigações apontam para os gigantescos criadouros que essa empresa transnacional possui no pequeno povoado mexicano de La Gloria- cujas condições de higiene e saneamento são espantosas- como a origem do flagelo.”
No seu artigo, há um ponto importante a ser ressaltado. A expansão gigantesca da produção de porcos em condições precárias não seria possível na matriz, já que nos Estados Unidos as leis são muito rígidas. Então, aproveitando-se de leis mais frouxas no México, a empresa se estabeleceu lá e se expandiu de forma assombrosa.
Segundo autoridades de saúde, as condições de higiene precárias, além da grande quantidade de porcos em ambiente mínimo, com pouca ventilação e iluminação permanente, representaram fatores desencadeadores da epidemia. Fora isso,
a utilização de antibióticos, injeções de hormônio e vacinas teriam tornado o vírus ainda mais resistente. Foi verificada pelas autoridades sanitárias a poluição dos rios e do meio ambiente, com destroços de porcos boiando nos seus leitos e outros sinais claros de falta de cuidado com a higiene.
Ainda não há respostas definitivas. Agora, o que se espera das nossas autoridades é que tomem providências para evitar que a gripe se propague e pegue a maior parte da população. E,se isso ocorrer, que as cidades se estruturem rapidamente, em consonância com o governo federal, para medicar os infectados de maneira correta, evitando um número maior de mortes.
Só que é também fundamental mudar urgentemente a forma de criar porcos, frangos e outros animais. As grandes corporações mandam no mundo e a humanidade se torna refém de epidemias que poderiam ser evitadas se cada país tomasse conta de seu território e impedisse que empresas se instalassem lá sem que sejam investigados os impactos ambientais e humanos desses empreendimentos. O lucro para poucos costuma ser nocivo para muitos.
A ERA DAS PANDEMIAS
Fonte: Folha de São Paulo
1-8-2009
DRAUZIO VARELLA
A gripe que não tem fim
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Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola
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O VÍRUS H1N1 causador da gripe atual anda à espreita da humanidade há mais de 90 anos. Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola. Naquele ano surgiu um novo vírus -mais tarde classificado como H1N1- com seus oito genes arranjados num formato que o sistema imunológico humano desconhecia. Pagamos caro pelo desconhecimento: 40 a 50 milhões de casos fatais.
É quase certo que esse vírus tenha se originado nas aves e migrado para a espécie humana, quando o acaso agrupou seus oito genes num arranjo tal que a estrutura resultante adquiriu a capacidade de transmitir-se de uma pessoa para outra.
À medida que a gripe espanhola se disseminava pelo mundo, trabalhadores rurais transmitiram o vírus para os porcos. Desde então, os H1N1 das gripes suína e humana têm sofrido mutações, arranjos e rearranjos de seus genes, que lhes permitiram sobreviver aos ataques do sistema imunológico de seus hospedeiros, sejam porcos ou humanos.
Como na natureza o vírus influenza A não infecta apenas porcos e homens, mas principalmente as aves, as possibilidades de novas mutações e de arranjos genéticos se ampliam de maneira descomunal, em virtude das dimensões do reservatório mundial representado pelas aves domésticas e selvagens.
Acostumados a atacar as mucosas que revestem o trato digestivo de milhares de espécies de aves, algumas das quais infectadas ao mesmo tempo por diferentes vírus influenza que trocam fragmentos genéticos uns com os outros, é inevitável que surjam partículas virais com habilidade para sobreviver em hospedeiros de outras espécies.
Em 1947, a vacina contra a gripe sazonal daquele ano não protegeu contra a doença. A ausência de atividade ocorreu porque o H1N1 que se disseminou depois da Segunda Guerra apresentava variações em sua estrutura molecular que o tornavam muito diverso dos que circularam antes da guerra.
Como por encanto, o influenza A (H1N1) desapareceu do reservatório humano, em 1957. Foi desalojado por um vírus resultante da recombinação de cinco genes do mesmo H1N1 da linhagem de 1918, com outros três genes de origem aviária. As partículas virais resultantes, batizadas de H2N2, provocaram a pandemia de gripe asiática, causadora de cerca de 1,5 milhão de mortes.
Em 1968, novas combinações genéticas deram origem ao H3N2, responsável pela terceira pandemia do século 20: a gripe Hong Kong, que provocou quase 1 milhão de óbitos.
O H1N1 ressurgiu das cinzas apenas em novembro de 1977, causando epidemias de gripe de pouca gravidade na antiga União Soviética, em Hong Kong e no nordeste da China. Do ponto de vista genético, o vírus guardava relação com o H1N1 que causou gripes sazonais em 1950.
Os virologistas admitem que essa reemergência aconteceu graças à liberação acidental de uma amostra do vírus H1N1 isolado na Escandinávia em 1950, e armazenado em laboratório. Está demonstrado que vírus influenza A (H1N1) circulam entre porcos norte-americanos desde os anos 1930, mas não haviam sido isolados em suínos europeus até 1976, quando chegou à Itália um carregamento de porcos americanos.
Em seguida, patos selvagens introduziram entre os porcos europeus um novo vírus H1N1. Em 1979, apenas três anos depois da importação, a nova cepa de origem aviária se tornou predominante na Europa. Acontecimentos semelhantes ocorreram na China.
Em 1998, foi identificado pela primeira vez em porcos norte-americanos um novo H1N1, com genes resultantes de um triplo arranjo genético: cinco fragmentos de seus genes vinham da gripe suína norte-americana clássica, dois da gripe das aves e um da gripe humana. Entre 2005 e 2009, sugiram pelo menos 11 casos de gripe causada por esse vírus; quase todos entre pessoas que tiveram contato direto com porcos.
Em abril de 2009, no final da estação de gripe sazonal do hemisfério Norte, apareceram os primeiros casos da pandemia de H1N1 que agora chega ao Brasil. O agente é resultante de um rearranjo que envolveu seis genes do vírus suíno de 1998 (formado pelo triplo arranjo genético porcos, aves e humanos) e dois genes de vírus suíno originados na Eurásia. É a quarta geração de descendentes do vírus que causou a gripe espanhola. Felizmente, muito menos agressivo do que seus ancestrais.
Comentário: O texto de Drauzio Varella faz uma excelente contextualização histórica da gripe suína. Espero que ele tenha razão quando conclui afirmando que atual geração de descendentes do vírus é muito menos agressiva do que os seus ancestrais.
Jaime Leitão
1-8-2009
DRAUZIO VARELLA
A gripe que não tem fim
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Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola
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O VÍRUS H1N1 causador da gripe atual anda à espreita da humanidade há mais de 90 anos. Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola. Naquele ano surgiu um novo vírus -mais tarde classificado como H1N1- com seus oito genes arranjados num formato que o sistema imunológico humano desconhecia. Pagamos caro pelo desconhecimento: 40 a 50 milhões de casos fatais.
É quase certo que esse vírus tenha se originado nas aves e migrado para a espécie humana, quando o acaso agrupou seus oito genes num arranjo tal que a estrutura resultante adquiriu a capacidade de transmitir-se de uma pessoa para outra.
À medida que a gripe espanhola se disseminava pelo mundo, trabalhadores rurais transmitiram o vírus para os porcos. Desde então, os H1N1 das gripes suína e humana têm sofrido mutações, arranjos e rearranjos de seus genes, que lhes permitiram sobreviver aos ataques do sistema imunológico de seus hospedeiros, sejam porcos ou humanos.
Como na natureza o vírus influenza A não infecta apenas porcos e homens, mas principalmente as aves, as possibilidades de novas mutações e de arranjos genéticos se ampliam de maneira descomunal, em virtude das dimensões do reservatório mundial representado pelas aves domésticas e selvagens.
Acostumados a atacar as mucosas que revestem o trato digestivo de milhares de espécies de aves, algumas das quais infectadas ao mesmo tempo por diferentes vírus influenza que trocam fragmentos genéticos uns com os outros, é inevitável que surjam partículas virais com habilidade para sobreviver em hospedeiros de outras espécies.
Em 1947, a vacina contra a gripe sazonal daquele ano não protegeu contra a doença. A ausência de atividade ocorreu porque o H1N1 que se disseminou depois da Segunda Guerra apresentava variações em sua estrutura molecular que o tornavam muito diverso dos que circularam antes da guerra.
Como por encanto, o influenza A (H1N1) desapareceu do reservatório humano, em 1957. Foi desalojado por um vírus resultante da recombinação de cinco genes do mesmo H1N1 da linhagem de 1918, com outros três genes de origem aviária. As partículas virais resultantes, batizadas de H2N2, provocaram a pandemia de gripe asiática, causadora de cerca de 1,5 milhão de mortes.
Em 1968, novas combinações genéticas deram origem ao H3N2, responsável pela terceira pandemia do século 20: a gripe Hong Kong, que provocou quase 1 milhão de óbitos.
O H1N1 ressurgiu das cinzas apenas em novembro de 1977, causando epidemias de gripe de pouca gravidade na antiga União Soviética, em Hong Kong e no nordeste da China. Do ponto de vista genético, o vírus guardava relação com o H1N1 que causou gripes sazonais em 1950.
Os virologistas admitem que essa reemergência aconteceu graças à liberação acidental de uma amostra do vírus H1N1 isolado na Escandinávia em 1950, e armazenado em laboratório. Está demonstrado que vírus influenza A (H1N1) circulam entre porcos norte-americanos desde os anos 1930, mas não haviam sido isolados em suínos europeus até 1976, quando chegou à Itália um carregamento de porcos americanos.
Em seguida, patos selvagens introduziram entre os porcos europeus um novo vírus H1N1. Em 1979, apenas três anos depois da importação, a nova cepa de origem aviária se tornou predominante na Europa. Acontecimentos semelhantes ocorreram na China.
Em 1998, foi identificado pela primeira vez em porcos norte-americanos um novo H1N1, com genes resultantes de um triplo arranjo genético: cinco fragmentos de seus genes vinham da gripe suína norte-americana clássica, dois da gripe das aves e um da gripe humana. Entre 2005 e 2009, sugiram pelo menos 11 casos de gripe causada por esse vírus; quase todos entre pessoas que tiveram contato direto com porcos.
Em abril de 2009, no final da estação de gripe sazonal do hemisfério Norte, apareceram os primeiros casos da pandemia de H1N1 que agora chega ao Brasil. O agente é resultante de um rearranjo que envolveu seis genes do vírus suíno de 1998 (formado pelo triplo arranjo genético porcos, aves e humanos) e dois genes de vírus suíno originados na Eurásia. É a quarta geração de descendentes do vírus que causou a gripe espanhola. Felizmente, muito menos agressivo do que seus ancestrais.
Comentário: O texto de Drauzio Varella faz uma excelente contextualização histórica da gripe suína. Espero que ele tenha razão quando conclui afirmando que atual geração de descendentes do vírus é muito menos agressiva do que os seus ancestrais.
Jaime Leitão
A MORTE DA ESTUDANTE BRASILEIRA
Fonte: Folha de São Paulo
Domingo, 02 de agosto de 2009
Estudante brasileira que morreu durante voo retornava de viagem a Disney
Publicidade
MARINA NOVAES
da Folha Online
A Polícia Civil de São Paulo investiga a morte de uma estudante brasileira de 15 anos que morreu na madrugada deste domingo durante um voo com destino ao aeroporto de Guarulhos (Grande SP). De acordo com a companhia de viagens Tia Augusta Turismo, a adolescente voltava de uma excursão ao parque de diversões da Disney, em Orlando (Estados Unidos), e apresentou sintomas de gripe ainda no país.
Durante a excursão, a estudante foi encaminhada a um hospital nos Estados Unidos. No centro médico, ela foi submetida a um exame para diagnosticar se estava com gripe suína --a gripe A (H1N1)--, cujo resultado foi negativo.
"Ela foi liberada pelos médicos do hospital para continuar a excursão, e foi liberada para viajar de avião inclusive. Eu acredito que se houvesse alguma coisa grave, as autoridades americanas não liberariam [o embarque da garota] de maneira alguma", afirmou Filipe Fortunato, diretor executivo da agência de viagens, à Folha Online.
A Polícia Civil informou que irá pedir os exames feitos nos Estados Unidos à agência de viagens que teriam descartado a doença, e que serão feitos exames no corpo verificar se ela estava, ou não, com gripe suína.
Na bagagem da estudante, a polícia teria encontrado remédios para gripe, entre eles o Tamiflu, medicamento utilizado no tratamento da gripe suína.
De acordo com a Copa Airlines, ela chegou a ser socorrida por dois médicos que estavam na aeronave --da Copa Airlines--, mas morreu durante o voo.
A família, que aguardava a chegada da estudante no aeroporto, está em estado de choque. O corpo da brasileira foi encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal) de Guarulhos.
Segundo a Copa Airlines, ela foi recebida por uma equipe médica do aeroporto, que constatou que a adolescente estava morta. "Através de uma certificação emitida pelo Posto Médico do Aeroporto Internacional de Guarulhos, a empresa aérea foi notificada do falecimento da passageira. A Copa Airlines lamenta profundamente o fato e se encontra, neste momento, assistindo aos familiares da passageira e trabalhando em conjunto com as autoridades locais", informou.
Com LEILA CORREIA, colaboração para Folha Online
Comentário de Jaime Leitão: Há um mistério a ser desvendado. A estudante morreu de gripe suína? E se o motivo foi esse, por que a deixaram embarcar nos Estados Unidos rumo ao Brasil? Se o exame deu negativo, como saiu na notícia, por que na sua bagagem foi encontrada uma cartela do antivirótico Tamiflu e outros remédios para gripe?
Domingo, 02 de agosto de 2009
Estudante brasileira que morreu durante voo retornava de viagem a Disney
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MARINA NOVAES
da Folha Online
A Polícia Civil de São Paulo investiga a morte de uma estudante brasileira de 15 anos que morreu na madrugada deste domingo durante um voo com destino ao aeroporto de Guarulhos (Grande SP). De acordo com a companhia de viagens Tia Augusta Turismo, a adolescente voltava de uma excursão ao parque de diversões da Disney, em Orlando (Estados Unidos), e apresentou sintomas de gripe ainda no país.
Durante a excursão, a estudante foi encaminhada a um hospital nos Estados Unidos. No centro médico, ela foi submetida a um exame para diagnosticar se estava com gripe suína --a gripe A (H1N1)--, cujo resultado foi negativo.
"Ela foi liberada pelos médicos do hospital para continuar a excursão, e foi liberada para viajar de avião inclusive. Eu acredito que se houvesse alguma coisa grave, as autoridades americanas não liberariam [o embarque da garota] de maneira alguma", afirmou Filipe Fortunato, diretor executivo da agência de viagens, à Folha Online.
A Polícia Civil informou que irá pedir os exames feitos nos Estados Unidos à agência de viagens que teriam descartado a doença, e que serão feitos exames no corpo verificar se ela estava, ou não, com gripe suína.
Na bagagem da estudante, a polícia teria encontrado remédios para gripe, entre eles o Tamiflu, medicamento utilizado no tratamento da gripe suína.
De acordo com a Copa Airlines, ela chegou a ser socorrida por dois médicos que estavam na aeronave --da Copa Airlines--, mas morreu durante o voo.
A família, que aguardava a chegada da estudante no aeroporto, está em estado de choque. O corpo da brasileira foi encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal) de Guarulhos.
Segundo a Copa Airlines, ela foi recebida por uma equipe médica do aeroporto, que constatou que a adolescente estava morta. "Através de uma certificação emitida pelo Posto Médico do Aeroporto Internacional de Guarulhos, a empresa aérea foi notificada do falecimento da passageira. A Copa Airlines lamenta profundamente o fato e se encontra, neste momento, assistindo aos familiares da passageira e trabalhando em conjunto com as autoridades locais", informou.
Com LEILA CORREIA, colaboração para Folha Online
Comentário de Jaime Leitão: Há um mistério a ser desvendado. A estudante morreu de gripe suína? E se o motivo foi esse, por que a deixaram embarcar nos Estados Unidos rumo ao Brasil? Se o exame deu negativo, como saiu na notícia, por que na sua bagagem foi encontrada uma cartela do antivirótico Tamiflu e outros remédios para gripe?
VELOCIDADES OPOSTAS
Fonte: Folha de São Paulo
São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
A era das pandemias e a desigualdade
SUELI DALLARI e DEISY VENTURA
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Tratar essa pandemia gripal como espetáculo pontual é um equívoco. As pandemias vieram para ficar e suscitam dois debates estruturais
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O MUNDO está diante das primeiras "pestes globalizadas", cuja velocidade de contágio, sem precedentes, é inversamente proporcional à lentidão da política e do direito.
A aceleração do trânsito de pessoas e de mercadorias reduz os intervalos entre os fenômenos patológicos de grande extensão em número de casos graves e de países atingidos, ditos pandemias. Assim, tratar a pandemia gripal em curso como um espetáculo pontual é um grande equívoco.
As pandemias vieram para ficar e suscitam ao menos dois debates estruturais: as disfunções dos sistemas de saúde pública dos países em desenvolvimento e a inoperância da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na ausência de quebra de patentes de medicamentos e de vacinas, perecerá um grande número de doentes que, se tratados, poderiam ser salvos. O mundo desenvolvido terá então, deliberadamente, deixado morrer milhões de pobres.
Sob fortes pressões políticas, a OMS tem divulgado com entusiasmo doações de tratamentos e descontos aos países menos avançados na compra do oseltamivir, o famoso Tamiflu, fabricado pela Roche, até então o único tratamento eficaz contra o vírus A (H1N1). Mas essa pretensa generosidade é absolutamente insignificante diante da possível contaminação de um terço da humanidade.
A apologia do Tamiflu tem levado milhares de pessoas à compra do medicamento pela internet ou a cruzar fronteiras para obtê-lo em países vizinhos. O uso indiscriminado do medicamento deve ser combatido com vigor, tanto pela probabilidade de consumo de produto falso quanto por fazer com que rapidamente o vírus se torne resistente também ao oseltamivir, o que ocorreu em casos recentes. Ainda mais grave: as constantes mutações do vírus tornam o mundo refém da indústria de medicamentos.
A OMS deve operar para que paulatinamente os Estados assumam o leme, com todos os custos que isso implica, do investimento em pesquisa ao serviço de saúde pública.
O direito não pode ser desperdiçado: o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, negociado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, criou a licença compulsória, dita quebra de patente, para, entre outros casos, os de urgência.
Ora, pode ocorrer algo mais urgente do que uma pandemia?
No entanto, quebrar a patente do Tamiflu, embora imprescindível, é apenas uma ponta do iceberg. É preciso que os Estados desenvolvam as condições para produzi-lo.
O mesmo ocorre em relação à insuficiência de kits para diagnóstico: com a progressão da pandemia, é provável que não sejamos capazes sequer de contar os mortos, ou seja, aqueles que comprovadamente foram vítimas desse vírus.
A prevenção da doença traz um problema adicional, que é a pressa: os mais nefastos efeitos da vacina contra o A (H1N1) ocorrerão nos primeiros países a generalizá-la, que serão, infelizmente, os latino-americanos, até agora os mais atingidos pela doença.
Assim, a deplorável desigualdade econômica mundial distribui também desigualmente o peso das urgências sanitárias. Os pobres portam o fardo mais pesado, eis que a pandemia gripal vem juntar-se a outras doenças endêmicas, como paludismo, tuberculose e dengue, cuja subsistência deve-se às adversas condições de trabalho e de vida, sobretudo em grandes aglomerações urbanas, não raro em condições de habitação promíscuas, numa rotina que favorece largamente a contaminação.
Caso o fenômeno se agrave, novas restrições, além do controle do Tamiflu, podem ser necessárias, a exemplo da limitação de reuniões públicas e aglomerações, que já foi adotada em países próximos, como a Argentina.
A pandemia pode trazer, ainda, a estigmatização de grupos de risco ou de estrangeiros, favorecendo a cultura da insegurança, pois o medo é tão contagioso quanto a doença.
Por tudo isso, urge revisar o papel da OMS no sistema internacional e retomar o debate sobre a criação de um verdadeiro sistema de vigilância epidemiológica no Brasil, apto a regular a eventual necessidade de restrições a direitos humanos e a organizar a gestão das pandemias com a maior transparência possível.
Caso contrário, seguirá atual o que escreveu Albert Camus, em 1947, no grande romance "A Peste": "Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas".
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SUELI DALLARI , 58, é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da USP.
DEISY VENTURA , 41, é professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Comentário de Jaime Leitão:
O artigo aborda bem a diferença de velocidade do vírus, que se propaga a jato, e a velocidade do poder público e dos órgãos de saúde, que anda a dois por hora, quando anda. Texto escrito por especialistas, que dominam o tema.
São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
A era das pandemias e a desigualdade
SUELI DALLARI e DEISY VENTURA
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Tratar essa pandemia gripal como espetáculo pontual é um equívoco. As pandemias vieram para ficar e suscitam dois debates estruturais
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O MUNDO está diante das primeiras "pestes globalizadas", cuja velocidade de contágio, sem precedentes, é inversamente proporcional à lentidão da política e do direito.
A aceleração do trânsito de pessoas e de mercadorias reduz os intervalos entre os fenômenos patológicos de grande extensão em número de casos graves e de países atingidos, ditos pandemias. Assim, tratar a pandemia gripal em curso como um espetáculo pontual é um grande equívoco.
As pandemias vieram para ficar e suscitam ao menos dois debates estruturais: as disfunções dos sistemas de saúde pública dos países em desenvolvimento e a inoperância da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na ausência de quebra de patentes de medicamentos e de vacinas, perecerá um grande número de doentes que, se tratados, poderiam ser salvos. O mundo desenvolvido terá então, deliberadamente, deixado morrer milhões de pobres.
Sob fortes pressões políticas, a OMS tem divulgado com entusiasmo doações de tratamentos e descontos aos países menos avançados na compra do oseltamivir, o famoso Tamiflu, fabricado pela Roche, até então o único tratamento eficaz contra o vírus A (H1N1). Mas essa pretensa generosidade é absolutamente insignificante diante da possível contaminação de um terço da humanidade.
A apologia do Tamiflu tem levado milhares de pessoas à compra do medicamento pela internet ou a cruzar fronteiras para obtê-lo em países vizinhos. O uso indiscriminado do medicamento deve ser combatido com vigor, tanto pela probabilidade de consumo de produto falso quanto por fazer com que rapidamente o vírus se torne resistente também ao oseltamivir, o que ocorreu em casos recentes. Ainda mais grave: as constantes mutações do vírus tornam o mundo refém da indústria de medicamentos.
A OMS deve operar para que paulatinamente os Estados assumam o leme, com todos os custos que isso implica, do investimento em pesquisa ao serviço de saúde pública.
O direito não pode ser desperdiçado: o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, negociado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, criou a licença compulsória, dita quebra de patente, para, entre outros casos, os de urgência.
Ora, pode ocorrer algo mais urgente do que uma pandemia?
No entanto, quebrar a patente do Tamiflu, embora imprescindível, é apenas uma ponta do iceberg. É preciso que os Estados desenvolvam as condições para produzi-lo.
O mesmo ocorre em relação à insuficiência de kits para diagnóstico: com a progressão da pandemia, é provável que não sejamos capazes sequer de contar os mortos, ou seja, aqueles que comprovadamente foram vítimas desse vírus.
A prevenção da doença traz um problema adicional, que é a pressa: os mais nefastos efeitos da vacina contra o A (H1N1) ocorrerão nos primeiros países a generalizá-la, que serão, infelizmente, os latino-americanos, até agora os mais atingidos pela doença.
Assim, a deplorável desigualdade econômica mundial distribui também desigualmente o peso das urgências sanitárias. Os pobres portam o fardo mais pesado, eis que a pandemia gripal vem juntar-se a outras doenças endêmicas, como paludismo, tuberculose e dengue, cuja subsistência deve-se às adversas condições de trabalho e de vida, sobretudo em grandes aglomerações urbanas, não raro em condições de habitação promíscuas, numa rotina que favorece largamente a contaminação.
Caso o fenômeno se agrave, novas restrições, além do controle do Tamiflu, podem ser necessárias, a exemplo da limitação de reuniões públicas e aglomerações, que já foi adotada em países próximos, como a Argentina.
A pandemia pode trazer, ainda, a estigmatização de grupos de risco ou de estrangeiros, favorecendo a cultura da insegurança, pois o medo é tão contagioso quanto a doença.
Por tudo isso, urge revisar o papel da OMS no sistema internacional e retomar o debate sobre a criação de um verdadeiro sistema de vigilância epidemiológica no Brasil, apto a regular a eventual necessidade de restrições a direitos humanos e a organizar a gestão das pandemias com a maior transparência possível.
Caso contrário, seguirá atual o que escreveu Albert Camus, em 1947, no grande romance "A Peste": "Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas".
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SUELI DALLARI , 58, é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da USP.
DEISY VENTURA , 41, é professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Comentário de Jaime Leitão:
O artigo aborda bem a diferença de velocidade do vírus, que se propaga a jato, e a velocidade do poder público e dos órgãos de saúde, que anda a dois por hora, quando anda. Texto escrito por especialistas, que dominam o tema.
O PORQUÊ DO BLOG
A minha intenção, ao criar este blog, é colocar as últimas informações sobre a gripe A1N1, mais conhecida como gripe suína, abrindo espaço para comentários e debates. Em nenhum momento, pensei em alarmismo, mas em discutir um tema bastante atual e que não pode ser desconsiderado.
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